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aqui falei da D. Ana e dos seus trabalhos em lã. Encontrei-a na feira de S. Martinho, em Penafiel, sentada a cardar e a fiar, rodeada de grandes sacos cheios de lã branquinha. O que me despertou a atenção foi o instrumento que usava para fiar. Não era um fuso nem tão pouco uma roda: era um simples caneleiro.

Tradicionalmente, o caneleiro é usado para enrolar o fio nas canelas que depois são colocadas nas lançadeiras e usadas no tear para passar a trama. Há dois tipos de caneleiros em Portugal: o mais simples, como este da D. Ana, constituído por um eixo em ferro ou em madeira, com uma das extremidades aguçada para fixação da canela, que gira mediante o accionamento de um volante; e outro, mais sofisticado, que se assemelha muito às rodas de fiar de manivela (é apenas mais pequeno e, por isso, muita gente os confunde com rodas de fiar).

A verdade é que, apesar de não terem sido criados para esse fim, não é assim tão raro ver estes caneleiros do segundo tipo serem usados na fiação. No Norte do país, são mais comuns os caneleiros de tipo um, como o da D. Ana. Nunca me passou pela cabeça que um instrumento tão simples e rudimentar pudesse ser eficaz na fiação, mas a D. Ana tirou-me as dúvidas todas quando a vi fiar a alta velocidade. O fio que dali resulta é, naturalmente, pouco torcido, de um só cabo, irregular e de aspecto pastoso. Mas serve bem os propósitos dos trabalhos em que é aplicado. A D. Ana tece uma espécie de “cobertores de papa”, semelhantes àqueles tradicionais da Beira Baixa e do Alto Alentejo. Digo semelhantes porque a urdidura é feita em algodão e não em lã. Têm aquele aspecto peludo porque são submetidos a uma operação de cardagem já depois de saírem do tear. Ainda não há muito tempo estes eram os cobertores de eleição para as pessoas se aquecerem nos Invernos rigorosos. A minha mãe lembra-se de trazer um na cama e de, pela manhã, se aperceber de que a parte exterior estava molhada. A humidade da respiração condensava-se e o cobertor actuava como isolante.

Para além dos cobertores de papa, este fio serve também para fazer colchas e tapetes com a técnica dos puxados, tirando partido dos bonitos contrastes que as cores naturais da lã proporcionam. Perguntei ainda à Dona Ana se não sabia fiar de outra forma. Disse-me que sim e que até tinha um fuso, mas que não se “ajeitava” com aquilo e que era muito “demorado”.